“Vamos, Pedro! Vai se atrasar!”
“Estou indo!”, bradou da escada. “Agora
é só submeter e pronto! Terminei”. A madeira da escada, também feita em
laboratório, parecia amortecer o caminhar firme de Sandra que subia em busca do
filho, “já?”, perguntara. “Sim! Me deves um sorvete, mamãe”, respondia o menino
colocando a mochila nas costas. “Na volta da escola passamos na Alaska e
tomamos um Ice Cream Soda. O que acha?”, “eba”, gritou o garoto.
Um beijo no centro da testa e uma
palmada singela no bumbum empurravam Pedro para dentro do colégio. Nessa parte
da capital do país todos eram bem de vida e as escolas espetaculares. São Paulo
tinha muitos problemas, mas quando transformada em capital, estes foram
parcialmente sanados.
O sinal tocou. O último sinal. Pedro
já estava na porta quando sua professora apareceu. Dona Julianita parecia
jovem, o que de fato era. Já viúva, não havia tido filhos. Seu marido morreu na
guerra contra a Bolívia. Dedicou-se à lecionar desde então. “Quase, Pedro.
Quase!”, disse ao passar entre a porta e o menino, “sente-se! Vamos.”.
“Pois bem! Como todos sabem ontem foi
o dia da Caça. Espero que todos tenho submetido o texto ao Governo”. Um sonoro ‘sim’
reinou na sala, mas uma voz irrompeu o coro, “acho que a polícia de vigilância
vai vir buscar o Pedro, professora. Ele deve ser Carnivorista como o Tio”,
disse Gustav, menino gordinho que sentava no fundo da sala. Pois a sala, em uníssono,
iniciou os gritos: “Carnivorista! Carnivorista! Carnivorista!”. “Chega!”,
Interrompeu Julianita, “Vocês não tem vergonha? Estou retirando um ponto da
média da sala inteiro só por essa ato de barbarismo que cometeram. Parecem
selvagens. Oh, Shiva!”. Pedro não ouviu o que a professora resmungava. Quando a
sala começou a perseguição ele já havia a deixado. Estava no jardim. Chorando. “Por
quê? Por que, comigo?”. Por lá ficou todo o primeiro período.
Talvez fossem 11 horas ou talvez
menos. O céu paulista sempre nublado dificilmente ajudava a solucionar essa
questão, mas breve seria o recreio. Pedro tinha fome. Seu estomago roncava, mas
a vergonha e o medo de entrar o consumiam mais que a fome. Foi quando um pássaro,
sim um pássaro pousou bem em sua frente. De penas amarelas e andar retilíneo, a
pequena ave andava, bicava, se aproximava e se afastava de Pedro. Ora Bica, ora
anda, ora Bica, ora para... “Mas o que está fazendo aqui esse animalzinho?”, se
perguntava Pedro. Animais urbanos não eram mais permitidos. Só em zoológicos ou
reservas autorizadas. A ave pouco se importava. Ora bica, ora anda, ora bica,
ora para... Pedro olhou a ave e sentiu medo. A ave olhou Pedro e também sentiu
medo. Tomados pelo medo resolveram ser um só corpo. Pedro prendera a ave em sua
mão com tanta força que quebrou seu pescoço e triturou seus frágeis ossos.
Mordeu ave sem pensar. A criança era completa. Saciada em seu desejo mais
primitivo por sangue. Desejo que todos tentavam reprimir. O sangue jorrava.
Descia da boca do menino. Pobre ave, Pobre Pedro.
O sinal tocou. Era Recreio. As
crianças correram para o jardim antes mesmo do barulho ensurdecedor do apito se
esvaísse. Gustav a frente puxando aquelas pequenas pessoas famintas. Todas as
lancheiras tinham um suco de caixinha, uma fruta [transgênica] e um sanduiche
com carne de laboratório. O gosto era o mesmo. Os pestinhas se separavam em
grupos, sentavam na grama ou nas mesinhas de pedra. E conversavam sobre tudo:
Sexo, política, religião. Aos 12 anos uma criança já ascendera a bastante
conhecimento nas escolas paulistas, mesmo assim não deixavam de brincar e se
divertir com seus jogos de realidade avançada. Porém, Gustav viu que Pedro
estava encolhido no meio do jardim. Tinha algo na mão, mas não viu o que era.
De certo era seu almoço. “Ei, seu babaca chorão! Foi só uma brincadeira mané”,
bradou Gustav. Mas Pedro não se intimidou. De uma vez só saltou do chão e mirou
os olhos de seu rival. O sangue estava em suas mãos, em sua boca e a metade da
ave que sangrava ao seu pé. Gustav deu um grito de horror e desmaiou. Estava se
deparando com a face da morte, de quem havia zombado minuto antes. Sua
professora presenciou a cena e tratou de, com seu avental, cobrir o rosto de
Pedro e retira-lo do Jardim antes que outra criança vissem e se assustassem. Na
parte interna encaminhou ele ao vestiário masculino: “Ande! Lave-se!”, ordenou.
Assim ele o fez. Depois um uniforme foi providenciado. Uma maca passava por ele, era Gustav desmaiado
indo para a enfermaria. O gosto de sangue ainda premiava a boca do menino. Suculento,
primitivo, estupendo e errado. Sabia que aquilo podia se tornar um passaporte
para um reformatório, ou quem sabe, um expulsão da nação; “Seus pais estão a
caminho, espere aqui”, disse Julianita.
Passaram-se trinta e dois minutos, quarenta e
sete segundos e os pais de Pedro chegaram. O tempo é interminável quando temos
medo, por isso a precisão. Ambos passaram pelo filho com uma cara fechada e se
dirigiram a diretoria. A porta ficou semiaberta, feito convidativo para que
Pedro os bisbilhotasse. Ao pé da porta, só sua professora falava: “Trabalho a
muitos anos com ensino. Sei que é natural que algumas crianças tenha esse tipo
de comportamento. São desejos primitivos que nem todos aprenderam a superar.
São Homens Hipercontemporâneos com uma alma primitiva. O filho de vocês é muito
inteligente, mas infelizmente ele não pode ficar com as outras crianças. É um
risco! Ou ele se adequa as normas deste país, ou encaminharemos ele a um
reformatório, sem a autorização de vocês pais. E tenho dito!”. “Senhorita
Julianita, peço que...”, “SENHORA! Sou uma mulher viúva Doutor Altinori”,
esbravejou a professora. Altinori continuou: “Pois bem, Senhora Julianita, meu
cunhado sofre do mesmo mal. Está preso das cadeias de reabilitação do Estado
Federal. Eu e minha esposa Sandra não queremos essa vergonha para nossa
família...”, Sandra estava aos pranto enquanto o marido falava. “Veja,
professora...”, ele continuou, “... sou um homem de confiança das indústrias
Friedman, não posso ter um filho carnivoristas. Vamos interna-lo o quanto
antes...”, “NÃAAOOO!!!”, Pedro se mostrava. Estava aos prantos assim como sua
mãe. “BASTA!”, bradou seu pai.