domingo, 2 de agosto de 2009

Balada do aposentado



Depois de trabalhar toda uma vida
E descontar por mês do seu salário,
Ao ver aquela soma recolhida,
Saindo do seu bolso para o erário;


Reflete o brasileiro conformado:
"No fundo esse dinheiro volta um dia,
Isso é pra quando eu for aposentado"

Mas saibam da verdade nua e fria:
Hoje, não há mais quem se aposente
Como se aposentava antigamente.

Por onde andam os bancos de praça
Onde os velhinhos contavam vantagem?
Já perderam de vez a sua graça,
Viraram camas para a vadiagem.

Se agora vai à rua o aposentado
E escapa aos golpes de uma patinete,
Acaba seu passeio injuriado,
Sendo assaltado por algum pivete.

Onde andarão as mesas das esquinas
Tão freqüentadas por nossos avós,
Que, enquanto olhavam pernas das meninas,
Jogavam damas, cartas, dominós?

Viraram bocas de fumo, e o bondoso
Senhor que ali ficar na contramão,
Além de ser carente e bem idoso,
Ainda leva fama de doidão.

E as praias em que a areia, o sol e o sal,
Num mágico e perfeito sintetismo,
Curavam de uma forma natural
Lumbago, asma, tosse, reumatismo?

Agora, ao freqüentar um balneário,
Corre risco de vida o ancião:
Lá vai ao longe o afoito octogenário
Levado pela turba do arrastão.


Hoje, não há mais quem se aposente
Como se aposentava antigamente.

E quando além de tudo ele ainda pensa
Que a aposentadoria é uma benesse,
Descobre em sobressalto pela imprensa
Que vai ter que brigar com o INSS,

Pois quando tudo indica que é direito
Os cento e quarenta e sete por cento,
Lhe dizem logo na raça e no peito
Que nunca ele verá tamanho aumento;


É certo que ministro, funcionário,
Deputado com oito anos de plenário,
Senador ou chefes de secretaria
Têm outro tipo de aposentadoria,
Que vai ser paga, é claro com o dinheiro
Do pobre aposentado verdadeiro.


São os únicos, não há dúvida, minha gente,
Que se aposentam igualzinho a antigamente.

Jô Soares. Revista Veja,ano XXV, n. 18,
29 abro1992.

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